Um antigo festival com um toque andaluz 23 de fevereiro - 3 de março de 2019

 Você pode imaginar um carnaval como algo que só acontece nos climas tropicais torridos do Rio ou Trinidad, onde grupos de dança mascarados acompanhados por tambores de samba ou bandas de aço dançam até altas horas da noite. Ou alguma performance de rua artística para turistas em Veneza. Mas na verdade é muito mais universal do que isso, e o carnaval de Málaga desfruta de uma tradição de quinhentos anos. O elo comum, é claro, é o catolicismo, mas como muito na igreja católica, sua própria existência foi resultado da cooptação de rituais populares mais antigos e pagãos. O carnaval de Málaga tem uma descendência direta da fiesta del obispillo que começou em 1504. Este foi um evento em que um coroinha no coro da catedral recebeu licença para conduzir as liturgias da igreja de forma satírica e que agradasse a eles e ao povo. A congregação comparecia usando máscaras e disfarces, e o evento durou quase cinquenta anos antes de ser proibido por causa dos tumultos e escândalos que provocava. Um evento desse tipo é claro que não surge isoladamente do nada. A cidade de Palência tem um festival semelhante que remonta a 1220! As origens do carnaval são muito mais antigas, fundadas nas festas selvagens em honra a Baco, o deus do vinho e da diversão na antiga Grécia. Os romanos levaram isso para uma audiência mais ampla, juntamente com muitas fantasias e máscaras, que ambas as culturas usavam no teatro.
 
A palavra carnaval deriva do italianoe significa literalmente parar de comer carne. Esta era a exigência da igreja durante quarenta dias antes da festa da ressurreição de Cristo. O carnaval tem sido celebrado há centenas de anos como prelúdio à negação e privações do jejum na Europa medieval católica. Outro elemento essencial da cultura medieval que se infiltrou no carnaval foi o elemento satírico. O bobo da corte, o bouffon, os grotescos, os freaks de circo ambulantes: esses desajustados da sociedade medieval ocupavam a posição de satiristas e críticos. Eles eram tolerados pelas autoridades e ocasionalmente autorizados a ridicularizar e zombar das mesmas autoridades da igreja e do rei, fornecendo uma válvula de escape para os ressentimentos sociais da época. Isso é exatamente o que o coroinha em Málaga estava fazendo com aprovação do bispo até que isso também foi reprimido.
 
Até os dias atuais, o típico carnaval de Málaga, e especialmente em Cádis a oeste, é um carnaval de bandas de músicos mascarados chamadas chirigotas, que compõem e executam canções altamente satíricas e irreverentes direcionadas aos poderes estabelecidos. Essas competições são acompanhadas por uma parada de um grande boquerón, que é levado à praia de Malagueta e queimado. Esta é uma cerimônia diretamente descendente de rituais pagãos muito antigos.
 
O carnaval acontece em Málaga este ano a partir de 23 de fevereiro. As apresentações das bandas de chirigotas competindo pela melhor música estão a todo vapor e a grande final é realizada no Teatro Cervantes. No dia 24 começam vários eventos para eleger os reis e rainhas do carnaval, e até drag queens, e a semana seguinte verá a cidade antiga cheia de bandas de chirigotas se apresentando nas ruas, pessoas mascaradas desfilando e festejando e culmina no final de semana seguinte com novas procissões, concursos de canto, participantes mascarados por toda a cidade e a procissão até a Malagueta para enterrar o Boquerón. A menos que você seja muito fluente em espanhol, grande parte da sátira e do humor das canções será perdida, mas os trajes e a energia nas ruas ainda valem a experiência, assim como as várias procissões. Há constantes eventos ocorrendo ao redor da Plaza de la Constitución e em outras praças menores da cidade antiga.

Poucos lugares na Europa, Ásia ou América do Norte têm algo assim, pois está diretamente ligado à prática católica da Quaresma. Não se parece em nada com o Rio de Janeiro também, embora não se possa dizer que as procissões não sejam impressionantes e os trajes deslumbrantes. Este é um tipo de Carnaval muito andaluz, único nesta parte do mundo, até o gigantesco Boquerón!